Teatro do Estudante de Pernambuco |
Virgínia Barbosa A sua insatisfação com o repertório eclético do Teatro de Amadores de Pernambuco trouxe reflexões sobre os caminhos que o teatro deveria percorrer para estar junto da população. Dizia: o teatro brasileiro deve atuar sobre o público como a exaltação do carnaval e do futebol. Para esse fim, a trajetória a ser percorrida era o aproveitamento dramático dos assuntos brasileiros e também regionais, como a história de Maria Bonita, Lampião, Antonio Conselheiro, Zumbi, os heróis dos folhetos populares: Que se faça teatro com esse material e a multidão sairá das feiras para as casas de espetáculo e daí partirá a compreensão para as obras de elite. Que se acostume primeiro o povo com os dramas que vivem dentro do seu sangue. [...] o teatro brasileiro tem vivido fechado nas casas de espetáculos, caro, inaccessível ao bolso da maioria. O nosso teatro precisa de umas férias. Precisa tomar ar, respirara a plenos pulmões (BORBA FILHO citado por PONTES, 1952-1965, p. 103-104). As palavras de Hermilo surtiram efeito quase imediato e ganharam muitos adeptos. Em 13 de abril de 1946, o Teatro do Estudante de Pernambuco foi fundado por Hermilo Borba Filho com Gastão de Holanda, Joel Pontes, Aloísio Magalhães, Lula Cardoso Ayres, Aristóteles Soares e Ariano Suassuna que se propõe a combater tanto a mercantilização quanto o aburguesamento da arte. O grupo era quase todo formado por alunos da Faculdade de Direito. Hermilo escolheu duas peças: O Urso, de Tchékhov, e O Segredo, de Ramon J. Sender. Foram traduzidas por ele e representadas, ainda sem censura, em cima das mesas da Biblioteca da Faculdade de Direito. Lula Cardoso Ayres desenhou os cenários e fez os figurinos. A crítica elogiou. A apresentação dessas montagens em outros espaços foi crescente: Escola Técnica, Centros Operários, parques, praças, sanatórios, fábricas, presídios, onde o povo estivesse. Inclusive, para ajudá-los na aventura de levar teatro ao povo, a Base Naval do Recife mandou construir um palco ambulante batizado pelo grupo do TEP de Barraca. Foi armado no Parque 13 de Maio e inaugurado em 18 de setembro de 1948 com as peças Haja Pau, de José Moraes Pinho, e Cantam as Harpas de Sião, de Ariano Suassuna. O palco, que deveria ser ambulante, tornou-se um problema: era difícil desmontá-lo acarretando um trabalho para vários dias. Terminou abandonado. Após a estreia, o TEP apresentou dois espetáculos na Escola Técnica: A Sapateira Prodigiosa, de Garcia Lorca, e A Casa de Rosmer, de Ibsen, considerado um dos mais perfeitos da história do TEP. O grupo, desde o início, procurava manter inalterado o zelo pela boa interpretação, o propósito de levar o teatro gratuito ao povo, e a linha antifascista. Tudo isso consolidado pela amizade que o reunia ora na Faculdade de Direito, ora na residência de Hermilo para ensaios e acaloradas discussões. A crítica foi quase unânime ao aprovar o trabalho do TEP. Diz o artigo de Telga de Araújo, na Folha da Manhã, de 13 de dezembro de 1947: [...] O povo precisa de se educar artisticamente, sem pagar frisas ou camarotes, cadeiras ou torrinhas, a preços astronômicos. O que os moços do Teatro do Estudante estão fazendo é qualquer coisa de formidável [...] e, no fim de tudo, fazem teatro inteiramente de graça, sem beneficiar A e B, mas, apenas, ao povo que aprende a assistir teatro de verdade, sem gastar um tostão. Entretanto, a gratuidade para acesso aos espetáculos foi uma das causas para o encerramento das atividades do TEP. Desde o início, o Teatro do Estudante de Pernambuco se mantinha com doações mensais registradas em livro e com valores que os espectadores depositavam em bandejas que circulavam quando das apresentações em locais outros que não fossem os bairros e instituições pobres. Outras colaborações vinham de colégios que cediam seus palcos para ensaios e nada cobravam; de comerciantes, de tipografias, de famílias (roupas antigas, chapéus...) e da Base Naval, com a doação do palco ambulante. Embora a mobilização para ajudar o grupo de estudantes fosse grande, os donativos ainda eram insuficientes para manter os espetáculos dos subúrbios pobres. A partir de 1948, a situação econômica do TEP estava muito difícil, o que obrigou o grupo a cobrar ingresso e, a contragosto, se apresentar no Teatro Santa Isabel que, para Hermilo Borba Filho citado por Cadengue (2011), era o reduto da burguesia do Recife. E que era afinal de contas, o reduto do Teatro de Amadores de Pernambuco, que representava, aos nossos olhos, na época, o teatro mais burguês que se possa imaginar. Em 12 de maio de 1949, estreiam com a peça de Sófocles, Édipo Rei. Seguem-se, no mesmo Teatro, as representações de: O Vento do Mundo, de Hermilo Borba Filho (5 nov. 1951); Otelo, de Shakespeare; A Cabra Cabriola, de Hermilo, Mãe da Lua, de José de Moraes Pinho, A Caipora, de Genivaldo Wanderley (três peças em um ato, em 5 abr. 1952); e o último espetáculo do TEP, Três Cavalheiros a Rigor, também de Hermilo (18 set. 1952). No final do ano de 1952, Hermilo Borba Filho transfere-se para São Paulo e o TEP, já muito fragilizado por motivos financeiros e sem novas adesões, se extingue. Publicamente, por intermédio dos jornais, o Teatro do Estudante de Pernambuco anunciou o encerramento de suas atividades. Diz Hermilo (CADENGUE, 2011): Não aguentava mais Pernambuco por causa de uma série de problemas que nada tinham com teatro. Com a minha ida para São Paulo, o Teatro do Estudante liquidou-se. Não houve ninguém que tocasse o barco para frente. Mesmo porque naquela altura, todo mundo já tinha saído da Faculdade, cada um já estava preocupado com seu romance, com sua pintura, sua poesia, sua música, e o Teatro do Estudante tinha cometido o erro de não formar sucessores. É o erro de qualquer grupo fechado. Mas o nosso grupo era fechado por sua própria natureza. Defendia ideias tão avançadas para a época, que ninguém queria se aproximar daqueles loucos.
O Segredo, de Ramón J. Sender (1946) Recife, 24 de novembro de 2011.
FONTES CONSULTADAS: BORBA FILHO, Hermilo. Uma tentativa de teatro popular. Boletim da Cidade e do Porto do Recife, Recife, n. 9-10, [p. 74-75], jul./dez. 1943. NEWTON JÚNIOR, Carlos. Montando a barraca. Continente, Recife, ano 8, n. 94, p. 60-63, out. 2008. PONTES, Joel. Teatro do Estudante de Pernambuco. Arquivos, Recife, n. 21/47, p. 100-117, 1952-1965. SUPLEMENTO CULTURAL [Diário Oficial. Estado de Pernambuco], Recife, ano 9, jul. 1996. Presença viva de Hermilo Borba Filho: meio século do Teatro do Estudante de Pernambuco. TEIXEIRA, Flávio Weinstein. Caminhos da renovação cultural no Recife (1940-50): o teatro. Clio: Revista de Pesquisa Histórica, Recife, n. 20, p. 249-273, 2002. Série História do Nordeste. |